Entrevista - Maycon Freitas - A voz que emergiu das ruas
O jovem que reuniu milhares de pessoas em manifestações no Rio abomina a corrupção, não confia em partidos, exige melhores serviços e diz que não vai deixar de protestar
Embora uma das marcas das manifestações que vêm agitando o Brasil nas últimas semanas seja a ausência de uma liderança clara, algumas vozes já se destacam, pela capacidade de expressar em metas e princípios a insatisfação geral. Uma delas é a do carioca Maycon Freitas, de 31 anos, técnico de segurança do trabalho que vive de bicos e já trabalhou como dublê e camelô. Há três meses. Freitas inaugurou em uma rede social o movimento União contra a Corrupção, a UCC: nas últimas duas semanas, mobilizando seus mais de 800 seguidores. conseguiu reunir 4000 pessoas em frente à igreja da Candelária, no centro do Rio de Janeiro, entoando palavras de ordem como "Um, dois, três. quatro, cinco, mil, ou para a roubalheira ou paramos o Brasil". Presente em todas as passeatas no Rio ate" hoje. Freitas condena a atuação dos partidos em geral ("Eles não nos re-presentam"") e da presidente Dilma Rousseff ("Tudo o que falou até agora não passou de marquetagem). Na semana passada, com a voz rouca de tanto gritar ao megafone, ele conversou com VEJA sobre o que acha que precisa mudar.
O que o fez ir às ruas protestar?
Eu e meus amigos estamos cansados de tanta história de corrupção e impunidade. Sabe quanto desaparece dos cofres públicos todo ano no Brasil? Mais de 200 bilhões de reais. Isso é dinheiro nosso, da sociedade, do povo que precisa de mais saúde, educação, segurança. Com dinheirama, vamos poder comer melhor, nos vestir melhor. O aumento da passagem do ônibus foi só a gota d"água que fez transbordar o copo. Um copo cheio de insatisfações. Está todo mundo indignado com tanta afronta.
O que exatamente o deixa tão indignado?
Temos feito escolhas ruins no Brasil. A eleição de Renan Calheiros para a presidência do Senado, por exemplo. É um homem cheio de rabo preso, alvo de um monte de denúncias. Não dá. E a construção de estádios bilionários para a Copa do Mundo, enquanto morre gente sem atendimento nos hospitais e as crianças saem da escola sem aprender nada? Sem falar em nossos partidos políticos, tão distantes de tudo.
O senhor não tem afinidade com nenhum partido?
Sinceramente, não. Os trinta partidos que existem no Brasil não representam a população. Votei no Lula em 2002 mas depois nunca mais. Eu me desiludi com o PT. Abandonaram a bandeira da ética que era deles e pior, acabaram inventando o mensalão. Agora, o problema não é só do PT, não. É da classe política como um todo.
O melhor então seria um país sem partidos?
De jeito nenhum. Isso é o mesmo que desejar a volta da ditadura. Lutamos justamente pelo contrário disso. Queremos é uma democracia melhor. Os partidos de hoje são grupos fechados que só servem para os políticos formarem seus conluios bem longe da vontade do povo. Desculpe, mas isso não é um regime democrático sério. A gente vê essas pessoas dizendo que são de direita, de esquerda, de centro, mas no fundo são um bando que muda de sigla para se dar cada vez melhor.
O que o senhor propõe?
Se somos nós que financiamos os partidos, nada mais justo do que querer que eles se transformem em organizações abertas em que eu você, seu pai, sua mãe seu filho, seus amigos, coligados ou não, possamos fazer parte das discussões e fiscalizar. Eles precisam se voltar para a sociedade. Não é para isso que estão lá? Não dá mais para esperar por essa reforma política. Ela precisa acontecer já. Chega de voto secreto para os parlamentares. Eles fazem um monte de promessas na campanha, vão ao plenário, votam como bem querem, e ninguém tem como fiscalizar se foram coerentes ou não. Também somos a favor do voto distrital e da reforma tributária quanto antes. O estado tem de pesar menos no bolso da gente. Aliás, a máquina pública toda. Nao somos de direita nem de esquerda. Quem diz que somos de direita é o pessoal de certos partidos políticos que não entendem por que não nos aliamos a eles.
A quais regalias o senhor se refere?
Se todo mundo leva trinta, 35 anos para se aposentar, não tem cabimento haver parlamentares que, após cumprir oito anos de mandato trabalhando três vezes por semana, já recebam aposentadoria. Deputados e senadores estão muito longe da vida real. numa bolha. Não faria mal que eles passassem a usar os hospitais públicos, como tantos brasileiros que não têm plano de saúde fazem, para entender o problema de verdade. Tem de doer no calo para o sujeito decidir mudar as coisas.
Uma ala mais radical dos manifestantes diz que seu grupo é de direita. Como vocês se classificam?
Não somos de direita ou de esquerda, nem de centro. Queremos ajudar a melhorar a sociedade, e não ficar fazendo discurso. Quem diz que somos de direita é o pessoal de certos partidos políticos que não entendem por que não nos aliamos a eles. Nessas últimas semanas, vi nas ruas muitos partidos querendo transformar um movimento que nasceu do povo em causa deles. Queriam se apropriar do protesto. Outro dia, um desses caras me abordou e perguntou: "Do que você está precisando? O que você quer? Vamos lá, a gente pode ajudar vocês". Respondi que não era esse o caminho que eu estava procurando, que me aliar a um partido significaria murchar o movimento, deixar o Brasil do jeito que está. A reação do sujeito foi do tipo "Quem ele pensa que é?". Tudo bem. Não vamos nos vender por migalhas como fez o Movimento Passe Livre.
Por que o senhor diz isso?
Foi o próprio MPL que começou tudo e eles sempre souberam muito bem que as pessoas não os estavam seguindo só por causa daqueles 20 centavos. E de repente decidem parar porque as tarifas baixaram? E o resto das reivindicações? E o povo que os apoiou nessa luta e que esperava e espera muito mais? Como fica? Condenamos essa atitude. Foi uma traição. Ficou bem claro para mim e para a sociedade que eles sofreram pressão de alguns partidos para deixar as ruas. Nós não vamos fazer isso. Não podemos e não devemos entrar para a história como um povo que lutou por centavos. Vamos continuar nos mobilizando - longe dos partidos.
Qual é sua avaliação da presidente Dilma Rousseff?
Ela não pode mais continuar omissa. Precisa chamar a sociedade para um debate de verdade, e não esse que está aí. O que vimos a Dilma falar até agora não passou de marquetagem. Não é mexendo na Constituição que vamos avançar no Brasil, mas, sim, fazendo valer o que está escrito nela. E a presidente tem poder para fazer valer as coisas que estão escritas lá. Ela deve reunir os partidos e trabalhar para que eles também passem a ser mais transparentes. A velha e atrasada política brasileira ninguém aguenta mais.
O senhor acha que o país não deveria ter entrado na disputa para sediar a Copa do Mundo?
Não somos contra a Copa. Somos contra o oba-oba dos políticos. Quando anunciaram que o Brasil receberia a Copa e a Olimpíada, diziam que seria uma boa oportunidade para melhorar transporte, saúde, educação. Cadê? Tudo o que ganhamos foram belíssimos - e caríssimos - estádios, alguns deles verdadeiros elefantes brancos, como os de Manaus. Natal e Brasília. Não dá para fugir da pergunta: como algo que foi estimado em 23.8 bilhões de reais chegou aos 28 bilhões? Essa questão precisa ser respondida. Por isso, defendemos a abertura de uma CPI.
O que o seu grupo pensa sobre a importação de médicos proposta pelo governo?
Somos 100% contra. Mais uma vez estão criando uma solução só para dizer que fizeram alguma coisa, só para constar, sem mexer na raiz do problema. Os médicos se recusam a sair do Sudeste não por um capricho - eles não querem é trabalhar onde não há condições mínimas. O Brasil não precisa de médico importado, mas de bons hospitais.
Como o senhor definiria a União contra a Corrupção?
É um movimento aberto, uma página criada no Facebook há três meses por mim meu irmão e dois amigos cansados de ver tudo de errado acontecendo ao mesmo tempo no Brasil, Já temos mais de 800 seguidores pessoas entram lá e põem suas opiniões contra e a favor. Não é e nunca vai ser um partido. A gente quer debate. Quando convocaram a primeira manifestação, fomos para a rua protestar. Desde então, estivemos em todas as marchas e organizamos duas menores.
Como o grupo se financia?
É até engraçado falar em financiamento, porque tudo o que gastamos até agora foram 400 reais para mandar fazer uma faixa e comprar um megafone. Esse é o nosso movimento. Uma página no Facebook, uma faixa e um megafone.
O senhor já havia participado de protestos?
Não. Nunca gostei de política. Para falar a verdade, não entendia nem por que era tão importante. O que deu o clique e mudou as coisas na minha cabeça foi minha primeira viagem aos Estados Unidos, paga em 24 vezes, no fim do ano passado. Foi um choque. Vi de perto quanto o Brasil está atrasado em tudo - estradas, transporte, saneamento.
Vocês querem se tomar uma liderança jovem no Brasil?
Não. Aliás, esse não é um movimento de líderes, mas de milhões de pessoas que canalizaram sua raiva contra o govemo num único grito de socorro. Para mim, quanto mais o protesto se aproximar dos partidos políticos, maior é o perigo de ele morrer.
Quer dizer que uma carreira política está descartada?
Criar um partido agora seria inútil. Não quero inventar mais uma legenda para a escória se pendurar. Porque é isso que acontece no modelo político que temos hoje. A Marina Silva, por exemplo, é uma liderança de respeito.
Os atos de vandalismo estão espantando gente dos protestos?
A maioria já entendeu que esses são atos isolados, liderados por bandidos que não têm nada a ver com o movimento pacífico que estamos fazendo na rua. Sou absolutamente contra o quebra-quebra. É um desrespeito ao patrimônio público e privado. No meio de um protesto, começou a circular o boato de que iam invadir a Globo. Um absurdo. A desordem não leva a nada. Sou contra invasão e ponto. Somos a favor, isto sim de ser convidados ao debate à conversa, entrando e saindo pela porta da frente de maneira civilizada. Nossas conquistas até agora não foram na base do radicalismo nem da agressão, mas do diálogo. Por causa desses baderneiros respirei muito gás lacrimogêneo de bomba vencida, disparada por policiais despreparados.
Como o senhor avalia o resultado dos protestos até agora?
Na semana passada, a PEC 37 foi banida e o Senado aprovou o projeto que toma a corrupção um crime hediondo. Foi um ótimo começo. O povo finalmente acordou e não vai mais arredar o pé da rua.